Bichos meus

domingo, abril 24, 2011

Inflação desgraçada (PAULO SANT’ANA)

Leio que a inflação, que destrói o poder do salário, provocou a terceira alta dos juros nos últimos 90 dias. Interessante a inflação, as pessoas sofrem intensamente seus efeitos, mas não ligam para ela, com se ela não existisse, a exemplo dos jovens, que sabem que a morte existe, mas não têm medo dela.

  • Todos sabem, por exemplo, dos efeitos nefastos da alta do preço dos combustíveis sobre os preços em geral, mas não se viu em nenhum parlamento brasileiro qualquer protesto pela alta em 20% dos combustíveis esses dias.

    Todos sabem que os medicamentos estão custando preços insuportáveis – e que esses preços vão aumentar com a alta dos combustíveis, mas ninguém reclamou, ninguém protestou, ninguém fez passeata porque aumentou o preço da gasolina e do óleo diesel.

    O governo se mostra preocupado com a alta da inflação, tanto que aumenta os juros, o que ainda mais agrava a situação do povo.

    Mas, estivesse mesmo preocupado com a inflação e quisesse evitá-la, o governo não teria aumentado o preço dos combustíveis, teria cacife suficiente para não fazê-lo, sabendo-se que já somos autossuficientes em petróleo.

    Mas o governo conhece o povo que tem. Numa canetada, decretou que se pagaria um quinto a mais pelos combustíveis e obteve um silêncio geral resignado da população. Em nenhuma parte, alguém protestou.

    A gente lê os jornais todos os dias e não se levanta em nenhum deles alguma voz contra o aumento da gasolina.

    Então, o governo aumenta, o povo não reclama. Está acostumado a apanhar como jumento dócil.

    E os salários, com exceção daqueles que percebem os príncipes da República, que são reajustados pontualmente todos os anos, vão diminuindo assustadoramente o seu poder de compra.

    Ninguém reclama do preço da carne por exemplo, que nos últimos meses subiu a níveis proibitivos. Um bife custava o que custava uma salsicha, hoje vale o que custa um naco de bacalhau.

    Num país como este, em que há mais gado do que gente, é revoltante o preço que se cobra do povo pela carne.

    Mas ninguém reclama, está tudo bem, seria o mesmo que os jovens e os saudáveis reclamassem da morte, para eles é só uma abstração.

    E sobem os preços dos legumes, dos cereais, das bebidas, dos pães, dos impostos, do vestuário, do aluguel, mas ninguém reclama.

    Eu chego exageradamente a pensar que todo povo merece os preços que paga.

    E que os governos conhecem os povos que têm e fixam o preço que bem entendem para os povos ignaros e insensíveis.

    A inflação está nos esfolando.

    E, para torná-la ainda mais severa e desumana, o governo aplica selvagemente alta de 20% nos combustíveis.

    Eta, naçãozinha infeliz!


    Jornal Zero Hora - 22 de abril de 2011

    Por PAULO SANT’ANA

sexta-feira, abril 15, 2011

O bullying sempre existiu

Carrie, a Estranha

  • Você já deve ter visto Carrie, a Estranha, bom filme de Brian de Palma. Sissy Spacek interpreta uma garota chamada Carrie, que é, bem, estranha. Veste-se como uma anciã, não tem amigos, vive isolada num casarão com a mãe fanática religiosa. Por conta de sua esquisitice, como todo adolescente esquisito, Carrie torna-se vítima de bullying na escola. Os outros caçoam dela e a perseguem. No final do filme, a turma do colégio lhe impinge um superbullying. Carrie é humilhada diante de todos. Mas eles não contavam com seus poderes telecinéticos. Em vez de empunhar uma pistola e sair matando os colegas, ela usa suas faculdades paranormais a fim de encerrá-los num salão de baile no qual toca fogo, sempre com a força da mente. Morrem quase todos no incêndio, Carrie inclusive.

    Contei o fim do filme, mas você provavelmente não se surpreendeu: o roteiro é o mesmo do caso do psicopata de Realengo e de tantos outros pelo mundo afora. O interessante aí é que Carrie é uma produção de meados da década de 70. O que desmente aquela autoridade que concluiu com a seguinte frase um estudo sobre violência escolar publicado há pouco: “O bullying é um fenômeno do nosso tempo”. Não é. O bullying sempre existiu. O que não existia era esse belo nome em inglês.

    Os adolescentes praticam bullying uns com os outros por necessidade natural. Eles estão vivendo a fase gregária da vida. Começam a contestar os pais e seu sistema de vida para tentar descobrir sua própria identidade, a identidade da sua geração. Eles precisam se identificar com um grupo, precisam se unir, e a melhor forma de união de um grupo é excluir alguns outros, é definir indesejados. Em geral, os que não se parecem com os membros do grupo. Transformar alguém em alvo de perseguição é um delicioso agente de união. É como dizer: nós não somos igual a ele; ele é um idiota, nós não. O bullying, portanto, sempre existiu.

  • O que não existia antes dos anos 70 de Carrie, a Estranha, eram dois fatores:

    1. Os adolescentes não tinham acesso tão amplo às armas de fogo.

    2. Os adolescentes respeitavam os professores.

    Antes, um professor podia identificar e reprimir o bullying. Agora, os professores às vezes são vítimas de bullying.

    Por quê?

    Por vários motivos. O principal deles é que os pais dos alunos não respeitam os professores. Se um professor reprime um aluno, corre o risco de ser processado pelos pais. A reação do pai é, sempre, a de procurar o erro no professor, nunca no seu filho.

    E o que aconteceu para que pais de repente passassem a desrespeitar os professores?

    Não foi de repente. Começou pouco antes da época de Carrie, depois da II Guerra Mundial, quando toda autoridade passou a ser contestada num processo semelhante ao que ocorre com os adolescentes. Era necessário mudar o mundo feito pelos pais do século 20. Não podíamos ser os mesmos e viver como nossos pais, como temia o Belchior.

    O dilema do Estado moderno, da família moderna e da escola moderna é exatamente esse. Ter autoridade sem ser autoritário. Punir sem ser cruel. Reprimir sem ser repressor. Incentivar a independência, não a permissividade. Ser livre sem ser individualista. É muita sutileza para uma sociedade tão pouco sutil.


    Jornal Zero Hora - 15 de abril de 2011

    DAVID COIMBRA

domingo, abril 10, 2011

HISTÓRIA DA TV