Bichos meus

sábado, setembro 27, 2008

A VAIDADE

Como é bom não precisar comer rolmops

Para escrever meu livro “Jogo de Damas” tive de reler alguns clássicos. Todos grandes livros, grandes autores. Normalmente, consideraria isso perda de tempo – há tantos livros que ainda não li, por que ler um duas vezes?
Terminou sendo bom demais. Era como se os estivesse lendo pela primeira vez, e, de certa forma, foi o que aconteceu. Lido de novo, o livro parecia outro livro.
A partir desta experiência, criei uma nova categoria de leitura: livros que merecem ser relidos. Entre esses há um que é dos melhores que já tive debaixo das sobrancelhas – “Ascensão e Queda do III Reich”, de William Shirer. Este Shirer foi correspondente do Chicago Tribune em Berlim de 1926 a 1941. Teve acesso direto a todos os personagens importantes do III Reich, inclusive, e principalmente, Adolf Hitler. Terminada a guerra, examinou 485 toneladas de documentos secretos dos nazistas, apreendidos pelo exército americano. Disso resultou esta obra fundamental para o Ocidente. Fundamental; não é exagero. São quatro tomos de texto escorreito e informações preciosas sobre talvez o período mais dramático da história humana.
No terceiro volume, Shirer aborda um episódio tão decisivo quanto misterioso da guerra: a Retirada de Dunquerque. Deu-se em maio de 1940. Até então, o exército alemão era invencível. Por meio da guerra-relâmpago, bateu inimigo atrás de inimigo, até defrontar-se com o maior deles, a Força Expedicionária Britânica, reforçada por divisões dos exércitos francês e belga. E também a estes os alemães venceram, até encurralá-los em Dunquerque. Os Aliados ficaram prensados. As Divisões Panzer avançavam, amassando tudo o que tivesse vida e que se interpusesse em seu caminho, enquanto o mar rugia às suas costas. Não havia saída. O exército britânico seria destroçado e, hoje, todos nós seríamos loiros de olhos azuis e comeríamos, argh, rolmops.
Então, algo aconteceu. O exército alemão simplesmente deteve o seu avanço. Pararam ao alcance da vista dos Aliados. Que começaram a bater em retirada pelo mar, desesperados. Fugiam em navios, botes, veleiros, bóias, tudo que flutuasse e pudesse levá-los a salvo para a Velha Álbion. As populações civis dos países Aliados ajudavam enviando todos os tipos de barcos para salvar seus soldados. A previsão de Churchill e dos generais britânicos era de, com sorte, conseguir evacuar 45 mil homens. No total, 340 mil escaparam do inimigo, que levou dois dias para se mexer. Chegaram à Inglaterra combalidos, estropiados, traumatizados, mas cientes de que poderiam lutar outra vez. Como lutaram.
Por que o exército alemão parou? Por muito tempo o mundo tentou decifrar esse enigma. Shirer solveu-o em seu livro. Na página 169, conta o seguinte:
“Goering ofereceu-se a Hitler para empreender o restante da luta, nessa grande batalha de cerco, somente com a Luftwaffe, eliminando-se assim o risco de se terem que utilizar as valiosas formações de Panzers. Fez essa proposta por uma razão que caracterizava a falta de escrúpulos e a ambição de Goering. Queria assegurar para a sua força aérea, após as operações até então surpreendentemente fáceis para o exército, o ato final e decisivo na grande batalha e, assim, conquistar a glória da vitória perante o mundo inteiro”.
A vaidade.
Foi a vaidade de Goering que nos livrou de ter que usar aquele bigodinho de mosca do Führer e andar marchando por aí em passo de ganso.
A vaidade é poderosa.
David Coimbra 24.0908 Zero Hora

Caído na calçada

Ontem saí de casa mais cedo do que o normal e a temperatura era amena de primavera e o dia estava amarelo e azul e do som do meu carro se evolava o rock suave da Itapema e eu me sentia realmente bem. Estacionei numa rua quase bucólica do Menino Deus e vi que ali perto um catador de papel puxava sua carrocinha sem pressa.
Era magro e alto, devia andar nas franjas dos 50 anos e tinha a pele luzidia de tão negra. Ao seu lado saltitava um menino de, calculei, uns quatro anos de idade, talvez menos. Devia ser o filho dele, porque o observava com um olhar quente de admiração, como se aquele homem fosse o seu herói. Bem. Ao menos foi o que julguei, certeza não podia ter.
Já ia me afastar quando, por entre as grades da cerca de uma creche próxima, voou um brinquedo de plástico. Um desses robôs cheios de luzes e vozes, que se transformam em nave espacial e prédio de apartamentos, adorado pelas crianças de hoje em dia. Algum garoto devia ter atirado o brinquedo para cima por engano, ou fora uma gracinha sem graça de um amigo.
O menino que era dono do brinquedo colou o rosto na grade como se fosse um presidiário, angustiado. O filho do catador de papel correu até a calçada, colheu o robô do chão e não vacilou um segundo: retornou faceiro para junto do pai, o brinquedo na mão, feito um troféu. Olhei para o menino atrás da cerca. Estranhamente, ele não falou nada, não gritou, nem reclamou. Ficou apenas olhando seu brinquedo se afastar na mão do outro, os olhos muito arregalados, a boca aberta de aflição.
Muito orgulhoso, o ilhamos do catador de papéis mostrou o brinquedo ao pai. O pai olhou. E fez parar a carrocinha. Largou-a encostada ao meio-fio. Levou a mão calosa à cabeça do filho. E se agachou até que os olhos de ambos ficassem no mesmo nível.
A essa altura, eu, estacado no canteiro da rua, não conseguia me mover. Queria ver o desfecho da cena. O pai começou a falar com o menino. Falava devagar, com o olhar grave, mas não parecia nervoso. Explicava algo com paciência e seriedade. O menino abaixou a cabeça, envergonhado, e o pai ergueu-lhe o queixo com os nós do dedo indicador. Falou mais uma ou duas frases, até que o filho balançou a cabeça em concordância.
A seguir, o menino saiu correndo em direção à creche. Parou na grade, em frente ao outro garoto. Esticou o braço. E, em silêncio, devolveu-lhe o brinquedo. Voltou correndo para o pai, que lhe enviou um sorriso e levantou a carrocinha outra vez. Seguiram em frente, o pai forcejando, o filho ao lado, agora não saltitante, mas pensativo, concentrado.
Então, tive certeza: aquele olhar com que o menino observara o pai era mesmo de admiração, ele era de fato o seu herói.
*
David Coimbra
Texto publicado dia 26/09/08 - Zero Hora

domingo, setembro 14, 2008

Brasileiro,um otimista inveterado.

Zero Hora/RS 14.0908

Brasileiro: Sou feliz!

Pesquisa feita em 132 países mostra que o brasileiro é um otimista inveterado

O pedreiro Aramis Siqueira, 23 anos, mora em uma casa de 40 metros quadrados apenas quarto, banheiro e sala nos fundos do terreno da sogra, em Viamão. Com o salário de cerca de R$ 700, sustenta a mulher, Dominique, e a filha, Yasmin, de três anos. Apesar da vida simples e do aperto financeiro, comuns aos seus colegas operários, conta sua história com um sorriso sempre por escapar. Considera-se um sujeito feliz.O brasileiro em geral, apesar das dificuldades econômicas, é um otimista inveterado. Comparação feita pela Fundação Getulio Vargas entre dados de 132 países, apurados pelo Instituto Gallup, demonstrou que nenhum outro povo projeta tanta alegria no futuro quanto o tupiniquim. De zero a 10, os entrevistados acreditam que terão um nível de felicidade de 8,78 daqui a cinco anos. Logo atrás estão Venezuela (8,52), Dinamarca (8,51) e Irlanda (8,32). Já quando o assunto é felicidade presente, o Brasil está na 22ª colocação, em um descompasso com o produto interno bruto per capita ajustado a poder de compra, que coloca o país na 52ª colocação.Os nórdicos no topoIsso quer dizer que dinheiro não compra felicidade? Não é bem assim. De acordo com trabalhos do economista Eduardo Gianetti da Fonseca, a renda influi na percepção de bem-estar até certo ponto, a partir do qual o acréscimo nos ganhos passa a ter pouca relação com esse sentimento. Já a comparação feita pela FGV demonstra uma forte correlação entre PIB per capita e respostas positivas. Tanto que, de modo geral e com algumas exceções como o Brasil, os países pobres estão na rabeira do ranking de felicidade, e os ricos, na dianteira, diz o pesquisador Marcelo Neri, autor do estudo.– No topo estão os países europeus e nórdicos, que muitas vezes se diz que são tristes, devido a altas taxas de suicídio. Mas, quando se pergunta aos dinamarqueses, eles dizem que estão muito felizes – observa.Para Neri, o otimismo brasileiro tem raízes culturais – que explicariam também a presença dos jamaicanos entre os com maior projeção de felicidade. Na obra em que Aramis trabalha, o peso da labuta diária é suavizado pelo bom humor. O pedreiro conta que o trabalho braçal não impede a turma de fazer piadas a qualquer instante. Com um cavanhaque que não vê tesoura há cinco meses, ele mesmo ganhou dos companheiros o apelido de Bin Laden.Mas não é só o bom humor a chave para a felicidade. Neri vê também razões econômicas e sociais. O avanço nessas áreas até 2006, quando a pesquisa de felicidade foi realizada mundialmente, seria um dos determinantes das respostas brasileiras. Em estudo focado nos jovens do país, que são os que projetam mais felicidade futura (9,29), o pesquisador aponta que, entre 1992 e 2006, a renda aumentou 18,26%, enquanto a escolaridade média passou de 6,325 anos de estudo para 9,094.– Nos últimos sete anos a desigualdade caiu muito e a incerteza reduziu, e isso pode estar ligado com essa alta felicidade futura – diz Neri.Aramis completou o primeiro grau e ainda fez cursos técnicos na área de construção civil por dois anos. Mesmo assim, passou pelo menos um ano e meio desempregado. Em novembro passado, no entanto, ficou sabendo da construção do bairro Jardim Europa, na Capital, e levou os documentos.– Fui contratado no mesmo dia. De lá para cá, já tive duas promoções. Melhorou muito. Não tenho porque não ser feliz – diz.Muitos pesquisadores, no entanto, vêem com ceticismo as pesquisas que levam em conta o sentimento pessoal de felicidade.

A coordenadora do programa de pós-graduação em economia da PUCRS, Izete Bagolin, acredita que os dados objetivos são mais relevantes para se avaliar o bem-estar da população.

A utilização apenas da percepção de felicidade poderia levar a avaliações equivocadas sobre as condições de vida no país.

No caso dos brasileiros, ela avalia que as respostas refletem mais uma capacidade de adaptação a condições negativas do que o bem-estar da população.

– A população já está tão adaptada à situação inóspita, difícil, insegura de vida, que por estar viva já se sente feliz.

As pessoas se contentam com o pouco que têm – afirma Izete.O pai de Yasmin não precisa mesmo de muito para ser feliz.

Estar em casa, jogando videogame (sua primeira aquisição depois da contratação) com a família, basta. Pergunte a Aramis que nota ele dá para sua felicidade hoje e confirme:

– Dez!

O que contribui para a felicidade

Felicidade e economia andam cada vez mais juntas. Desde que o psicólogo Daniel Kahneman ganhou o prêmio Nobel de Economia, com teorias que apontavam que o comportamento econômico não era tão racional como se supunha, os estudos que levam em conta aspectos subjetivos ganharam força. Uma das pesquisadoras que se debruçou sobre a correlação entre aspectos econômicos e sociais e o sentimento de felicidade foi a economista Sabrina Vieira Lima, em dissertação de mestrado da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo publicada ano passado. Confira quais fatores o estudo apontou como relacionados a uma sensação maior de felicidade.
Quem se diz mais feliz
Os empregados

Os de maior renda
Os casados
Os homens

quinta-feira, setembro 11, 2008

Pobreza Intelectual

“Não há dúvida de que a publicação eletrônica facilita a localização de dados, mas muitos afirmam que isso provoca certa pobreza intelectual. Para esses críticos, a obrigatoriedade de lidar com informações mal-organizadas forçava cientistas e estudantes a ler grande diversidade de conteúdos antes de encontrar o que buscavam. (...) Hoje, quando coloco “Amazonas” no Google, o primeiro link é a Wikipedia. No passado, 20 alunos, após uma tarde numa biblioteca, produziam 20 trabalhos diferentes. Hoje, 20 alunos na frente do computador provavelmente vão produzir 20 versões do verbete da Wikipedia.”
Fernando Reinach, biólogo, no artigo “Publicação eletrônica e a pobreza intelectual”

(O Estado de SP, 11-9)

terça-feira, setembro 09, 2008

O bicho do eterno retorno

Físicos estudam a ressurreição da hidra, animal aquático que se reorganiza mesmo depois de ter seu corpo picado e centrifugado

Pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) realizaram simulações por computador que explicam as primeiras etapas da regeneração total de um animal simples de água doce, de tamanho milimétrico, que fascina os cientistas desde o nascimento da biologia, no século 18.

A hidra -batizada com o nome do monstro mitológico que ganha outra cabeça sempre que lhe decepam uma de suas muitas- tem um poder fantástico de se recuperar de mutilações em seu ambiente natural. Mas é em laboratório que o bicho realmente impressiona.

A física Rita de Almeida, da UFRGS, ensina a receita. Pegue de 20 a 50 hidras e pique-as em pedacinhos. Coloque-os em uma solução que desgruda as células umas das outras. Ponha a solução em uma centrífuga, para embaralhar completamente as células.

Depois de algumas horas, as células que não morreram se juntam. Disforme no início, o agregado de células se organiza, assumindo a forma de uma esfera, feita de duas camadas. A camada externa (ectoderme) e a interna (endoderme) são feitas de células de dois tipos. Após dois ou três dias de movimentos e transformações, surge uma nova hidra.

A primeira fase da regeneração, em que as células de dois tipos -endodérmicas e ectodérmicas- se separam, é o que o modelo de Almeida e seus colaboradores explica.

"Todos os modelos anteriores supunham que os dois tipos de células grudam uns nos outros de maneiras diferentes", conta Almeida. Os modelos, porém, não explicavam o que Jean-Paul Rieu observou em 1998, em seu laboratório na Universidade Claude Bernard, em Lion (França): a rapidez com que as células se organizam e os movimentos giratórios que fazem.

As novas simulações, publicadas em junho na revista "Physical Review Letters", explicam as observações de Rieu.

Os pesquisadores perceberam que faltava levar em conta que as células são "maria-vai-com-as-outras". Elas seguem as suas vizinhas como peixes em um cardume.

O colega de Almeida na UFRGS, Leonardo Brunnet, já estudava um modelo desse tipo de movimento coletivo, chamado de "boids", criado em 1986 por Craig Reynolds, da empresa Sony, para animações por computação gráfica. O primeiro filme a usar os boids foi "Batman Returns", de 1992, onde as partículas do modelo (os "boids") representavam um bando de morcegos.

Cada "boid" se move de olho nos "boids" ao redor. "Os "boids" imitam bem um bando de animais porque fazem o mesmo que eles: um movimento sem líder", diz Almeida.

"Como todo modelo matemático, ele é supersimplificado", comenta o biólogo Márcio Custódio, da Universidade de São Paulo, especialista em esponjas-do-mar -animal primitivo como as hidras e também capaz de regenerações espetaculares. "É verdade que há dois tipos de células, mas as camadas têm outros cinco ou seis tipos, cada um deles com mobilidade e estruturas diferentes. Isso afeta bastante a migração. Mas, no geral, o modelo mostra o que acontece."

Para melhorar seus modelos, os teóricos da UFRGS montaram um laboratório de biologia. "O que precisamos medir para comparar com os modelos não é o que os biólogos medem", diz Almeida.

Condomínio celular

Em uma hidra de verdade, as células vão se transformando à medida que se movem e tomam suas posições para constituir o organismo.

"Existem outros modelos tentando explicar como as células se diferenciam, mas o processo não está totalmente descrito", explica Almeida. "Isso tem até a ver com diferentes desdobramentos do DNA, que é outro problema fundamental."

O fato de as células da hidra conseguirem sobreviver de maneira mais autônoma que, por exemplo, as células do corpo humano, sugere que estudar a regeneração do animal pode revelar como surgiram os primeiros seres multicelulares.

"A vida levou 500 milhões de anos desde o resfriamento da crosta terrestre para aparecer", diz Almeida. "Entre o primeiro sinal de vida e o primeiro sinal de vida multicelular levou sete vezes mais tempo. Parece verdade que é mais difícil conviver do que viver."

Trechos da história de como surgiram os organismos multicelulares podem ser mais evidentes nas hidras, mas também aparecem no desenvolvimento de embriões de seres mais complexos, como os humanos. "Se você dissocia as células de um embrião quando elas são ainda quatro ou oito, elas podem se reagregar", diz Custódio.

(Igor Zolnerkevic escreve para aFolha de São Paulo, 7/9/08)

domingo, setembro 07, 2008

O dia da independência - Martha Medeiros

07 de setembro de 2008

Nossa liberdade é parcial, todos sabem. Não me refiro ao país, e sim à nossa liberdade individual, minha e sua. Sempre que toco nesse assunto me vem à cabeça aquela frase que citei outras vezes: O máximo de liberdade que podemos almejar é escolher a prisão em que queremos viver. É isso aí. E quais são essas prisões? Pode ser um casamento ou, ao contrário, um compromisso com a solidão. Pode ser um emprego ou uma cidade que não conseguimos abandonar. Pode ser a maternidade. Pode ser a política. Pode ser o apego ao poder. Enfim, todas as nossas escolhas, incluindo as felizes, implicam em algum confinamento, em alguma imobilidade, e não há nada de errado com isso, simplesmente assim é a vida, feita de opções que nos definem e nos enraízam.Mas, às vezes, exageramos. Costumamos nos acorrentar também a algumas certezas e pensamentos como forma de dizer ao mundo quem somos. É como se redigíssemos uma constituição própria, para através dela apresentar à sociedade nossos alicerces: sou contra o voto obrigatório, sou a favor da descriminalização das drogas, sou contra a pena de morte, sou a favor do controle de natalidade, sou contra a proibição do aborto, sou a favor das pesquisas com célula tronco. Este é apenas um exemplo de identidade que forjamos ao longo da vida. Você deve ter a sua, eu tenho a minha.Dá uma segurança danada saber exatamente o que queremos e o que não queremos, no que cremos e no que desacreditamos. Mas onde é que está escrito, de fato, que temos que pensar sempre a mesma coisa, reagir sempre da mesma forma?Ao trocar de opinião ou de hábitos, infringimos nossas próprias regras e passamos adiante uma imagem incômoda: a de que não somos seres confiáveis. As pessoas a nossa volta já haviam aprendido tudo sobre nós, sabiam lidar com nossos humores e nossos revezes, estava tudo dentro do programa, e, de repente, ao mudarmos de idéia ou fazermos algo que nunca havíamos feito, subvertemos a ordem natural das coisas.Quando visito algumas escolas, encontro estudantes um pouco assustados com as escolhas que farão e que lhes parecem definitivas. Tento aliviá-los: pensem, repensem, mudem quantas vezes vocês quiserem, é permitido voltar atrás. Digo isso porque eu mesma já reprimi muito meus movimentos, minhas alternâncias, numa época em que eu achava que uma pessoa séria tinha que morrer com suas escolhas. Ainda há quem considere leviana a pessoa que se questiona e se contradiz, mas já bastam as prisões necessárias – para que cultivar as desnecessárias?Optei pelas medidas provisórias. Por isso, todos os anos eu faço uns picotes na minha constituição imaginária e jogo os pedacinhos de papel pela janela: é assim que comemoro o dia da independência. Da minha.