A visita de Acácio
Seu Acácio brecou a carroça no oitão do casarão da Fazenda do Minuano e, de vereda, começou a saltar gente como pipoca em panela.Era uma manhã de domingo. O sol dourando os trigais logo ali na frente e iluminando até as sombras que teimavam em resisti-lo. O arvoredo, que contornava o lado direito do casarão, parecia posicionar-se numa reverência submissa. Os guaipecas estendidos na relva macia, irmanados naquele espírito festivo, despojaram-se até dos seus habituais latidos, sempre que algum forasteiro se aproximava. Tico-ticos, pica-paus e sabiás ora planavam, ora pousavam nos cercados, nos galhos das pitangueiras e nos cumes dos telhados, numa observação curiosa dos humanos.A lona amarela descobriu a carroça, e olhos curiosos corcovearam nas órbitas, lábios se abriram, dentes se mostraram e largos sorrisos molduraram os rostos daquela gente humilde e alegre da Campanha. Eram tamancos e sandálias de todas as cores e estilos, eram saias e vestidos com babados e decotes acentuados. Eram bombachas de fino corte, chapéus de feltro, de palha, até panamás. Eram cinturões dos mais variados feitios, recheados de guaiacas e de orifícios para acomodar as balas, além do coldre prontito para receber o abafa-briga — o que faz tremer o valente, o que faz sumir o covarde.Seu Acácio atendia a todos numa atenção desmedida — "isto fica bem para a senhora, lindo para a senhorita, muito melhor para o senhor", ao mesmo tempo que anotava em uma caderneta sovada os produtos que lhe iam sumindo da vista como dinheiro de gáucho metido na zona. Conta-se que a João Furtuoso ficou a incumbência de assar o churrasco do almoço. E sem perder tempo fez logo o fogo na churrasqueira abrigada sob sombra generosa. E sem perder tempo ia espetando as costelas, as linguiças, as picanhas, salgando a gosto, enquanto assobiava melodias como Sabe Moço, Guri... Depois das vendas, seu Acácio rumou para outras paragens que vender mais era preciso. E na Estância, entre um tira-gosto e um gole de trago, ficou a peonada e as mulheres a provarem mais uma vez os vestidos, as bombachas, os cinturões, os tamancos, como guri que ganha brinquedo novo. Quando a carne já se desmanchava nos dentes afiados dos viventes e o patrão Antônio Balta preparava um discurso açucarado sobre a próxima colheita, a briga enfurecida de dois cachorros, muito próximo dali, chamou a atenção dos paisanos. Ralharam-lhes em vão, e a peleia ruidosa só não tomou contornos mais trágicos porque dois peões os apartaram e puseram fim ao prolongado litígio. Mas (barbaridade!) o motivo do conflito nem tiveram coragem em comunicar a João Furtuoso — a bombacha recém-comprada de seu Acácio estava virada em fiapos, justamente naquele dia em que ele queria — mais do que nunca — impressionar a morena Jenita, dona de perturbadora beleza, filha mais nova do lindeiro Niza, num dos melhores bailes do Bom Jardim.
— Credo, homidideus, quicachorrada hein? — disseram os peões, incrédulos, mãos sobre a testa, enquanto os outros, indiferentes à pequena tragédia, seguiam no exercício prazeroso do levantamento de garfos e sob a sombra da velha ramada.
Dioclécio Lopes
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