Maio de 1968
O ano de 1968 ressoa como mágico. Tão profunda é a magia, que é impossível estabelecer onde se iniciou a rebelião. Oficialmente, para a História, tudo começou em maio de 1968 em Paris, logo espalhou-se pela Alemanha e o mundo afora. No conjunto histórico, porém, fica a impressão de que, naqueles anos, bastava ser jovem para ter consciência da necessidade da rebeldia.Reprimidos a ferro e fogo, os ideais libertários que a juventude lançou às ruas foram oficialmente derrotados, despedaçados e mortos. A ressurreição, porém, começou no instante da derrota. Hoje, 40 anos depois, as palavras de ordem de ontem são leis ou se incorporaram aos hábitos e comportamentos do dia-a-dia, seja onde for.
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A rebelião estudantil-juvenil de 1968 não queria o poder, nem ocupar os sofás dos palácios. Frente ao túmulo de Marx em Londres, Daniel Cohn-Bendit (guia da rebelião na França) levantou o punho, na saudação comunista. Na Alemanha, retratos de Mao Tsé-tung e Che Guevara serviam de escudo contra a polícia nas ruas. Mas nesse cenário, pela primeira e única vez nos séculos, o anarquismo reinou como ideologia, teve poder para não alcançar o poder.Foram coerentes os jovens. Se queriam derrubar o carcomido, por que assumir o que se corrompeu? Até Proudhom e Bakunin teriam inveja desse anarquismo inconsciente, mas concreto!
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O explosivo ano de 1968 já começou luminoso. De um lado a outro do mundo, a rebeldia brotou como denúncia da opressão. No Vietnã, a guerrilha comunista encurralou o exército norte-americano na "ofensiva do Tet". Na Checoslováquia, coração do mundo dominado pela tirania comunista da União Soviética, os socialistas-democráticos assumiram o poder. Em Paris, o maio francês encurralou o próprio Charles De Gaulle, antes símbolo da França Livre contra Hitler. Na Cidade do México, 2 milhões de jovens saíram às ruas. Na Argentina, o "cordobaço" forçou a queda do ditador, general Levingston. Nos Estados Unidos, cresceu o protesto contra a guerra no Vietnã. E Angela Davis e o "Black Power" vão além de Martin Luther King (recém assassinado) na luta pela igualdade racial.
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Pela cronologia, tudo se antecipou em março, no Rio de Janeiro, no enterro do secundarista Edson Luís, morto pela polícia numa marcha estudantil. A população protestou nas ruas e enfrentou a polícia. Logo, ao som de Para não Dizer que não Falei de Flores, de Geraldo Vandré, "a passeata dos 100 mil" fez despontar a liderança do estudante Vladimir Palmeira. Em São Paulo, o aluno de Direito José Dirceu Oliveira e Silva ganhou as ruas com milhares de jovens. E as greves operárias de Osasco (SP) e Contagem (MG) desafiaram as proibições ditatoriais.Nada foi coordenado. Tudo nasceu como se um toque de magia rebelde inundasse os moços, mundo afora. O inconsciente coletivo atuara como ponte!No Brasil, o general Costa e Silva viu-se levado a dialogar com os líderes visíveis dos protestos e, assim, acendeu as iras da extrema direita do governo. Em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 deixou o governo nu: caem os últimos vestígios de liberalização e a ditadura assume-se como ditadura, sem magia.
Flávio Tavares - Jornalista e escritor
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