Bichos meus

domingo, janeiro 25, 2009

Agora sim!


"Agora sim, após quase seis anos, minha casa ficará totalmente livre de pelos. Eu estava sempre com uma vassoura na mão ou um paninho, para retirá-los dos lugares mais inusitados.
Agora sim, não vou precisar levantar rapidamente da cama, às seis da manhã, ao ouvir o bater do jornal na lajota da frente. Diariamente nós disputávamos para ver quem chegava primeiro para ler as notícias em primeira mão. (O problema é que ele só sabia “ler” mastigando as folhas.)
Agora sim, ninguém vai me trazer esperançoso, um boneco me convidando para brincar. Não vou ficar sem ar jogando bola, balançando bem alto garrafas pet ou disparando atrás dele pelo gramado, durante séculos, até ficar esfalfada. O bandidinho não permitia paradas e ficava latindo insistente para que a brincadeira continuasse indefinidamente.
Agora sim, não terei mais patas sobre meus ombros me abraçando sempre que eu pedia... Bom dia dado sério, pela manhã, com ele sentado, me olhando quando eu abria a porta, patinha levantada para ser sacudida.
Ninguém ficará rosnando e latindo à noite, na porta da sala, até eu levantar do sofá e lhe alcançar uma fruta. Não preciso mais por barreira na porta da frente para que ele não entre e se esparrame num resmungo, no tapete da sala. E me olhe com aquele olhar pidão de: (“Me deixa ficar aqui contigo só um pouquinho!”)
Finalmente os passarinhos e abelhas vão ter sossego porque ele não chegará mais aos pulos para espantá-los.
Agora sim, quem quiser, pode chegar à minha casa, sem levar um susto ao ser recebido pelo grande cão que adorava que pensassem que era uma fera. (Bobagem, porque bastava por a mão em sua cabeça para que se desmanchasse em requebros alucinados.)
Agora sim, vou poder ir à praia sozinha, caminhar pela areia, sem vê-lo ir e vir alegremente pelas dunas. Ninguém vai mais por o focinho insistentemente entre as folhas de jornais ou revistas quando eu estiver lendo. Querendo atenção, empurrando minha mão para coçar seu pescoço.
Não mais olhares doces. (Eram os olhos mais claros, lindos e doces que já vi!) Cabeça no meu colo, rabinho abanando, comunhão amiga.
Agora sim, o silêncio reinará absoluto em cada canto da casa. Meu amigo foi embora, e se existe um céu para cães, ele deve estar lá agora, correndo com amigos por verdes vales. Ninguém mais terei, então, para me receber com latidos alegres quando eu chegar e vou ter que parar de rir à toa com suas piruetas.
Agora sim, acho que finalmente, vou começar a envelhecer e aprender a chorar...

Postado no Blog Bicharada (jornal Zero Hora/Brasil-RS) - Enviado pela leitora Cleide Lacerda Alves - (
cleidelacerdaalves@brturbo.com.br ) - 14 de janeiro de 2009"

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