Bichos meus

domingo, maio 03, 2009

O café dos embromadores

Zero Hora - 03 de maio de 2009 N° 15958


Teve um tempo distante em que o ministro da Economia do Brasil saía todo domingo de manhã de casa, escorava-se no balcão de uma padaria de Copacabana e tomava meia taça de café com leite com um pãozinho com manteiga. Sua foto na padaria saía na segunda-feira em todos os jornais. Chamava-se Marcilio Marques Moreira, era um diplomata simpático e culto, mas se prestava a esse papelão. Ai do jornal que não tivesse a foto do Marcilio tomando café.Foi no início dos anos 90. Tudo naquela época, inclusive a foto, era muito patético. O Brasil fracassara como cobaia de planos econômicos heterodoxos. A economia virou um mingau em banho-maria. Marcilio em manga de camisa no boteco queria nos dizer que as coisas deveriam ser assim mesmo, meia taça e pão com manteiga.Traumatizados pelo Plano Collor, nos contentávamos com muito pouco. E a imprensa bebia aquele café morno no plantão dos fotógrafos de tocaia na padaria para o retrato que todos estampariam na segunda. Levamos um tempo para perceber como fomos cúmplices e ridículos. Quantas vezes esperamos aqui em ZH, tarde da noite, a chegada da foto de Marcilio escorado no balcão. O ministro nos avisava que a gestão econômica enredara-se na própria complexidade. Tudo estava reduzido à lerdeza de um domingo carioca. Não havia mais nada a fazer.A economia de um governo fraco escorava a mediocridade nas costas de um homem de bem que repetia sem parar aquela cena domingueira numa padaria. Comam pão com manteiga e se deem por satisfeitos.Talvez chegue o dia em que nos daremos conta de que, assim como a noção do que possa ser economia quase se exauriu no início daqueles anos 90 do café do Marcilio, a noção de administração pública de Estados e municípios esteve um dia ameaçada nos primeiros anos do século 21. A política de governadores e prefeitos está escorada na padaria do Marcilio. São raros os gestos ousados capazes de transformar um Estado, uma capital ou uma cidade de médio porte. A virtude da gestão virou o refúgio dos acomodados, como a padaria era simbolicamente a caverna do ministro bonachão.A economia da inércia daquele tempo ganha agora uma prima na versão política dos gerentes contábeis de governos e prefeituras. A política perdeu substância e se igualou por baixo na neutralidade dos iguais. Perguntem a governadores e prefeitos o que os diferencia uns dos outros. Todos se parecem. Poucos têm opiniões, por mais superficiais que sejam, que os particularizem. E as cidades, com algumas exceções, imitam-se no trânsito, no transporte coletivo, no lixo, nas áreas de convivência coletiva, na poluição, nas favelas, nas Câmaras de Vereadores. A concepção de obras, as ideias, as referências urbanas – tudo tem décadas de uso. O urbanismo parou nos calçadões. Estados e cidades passaram a ser geridos por puxados.Há pouco, o Jornal Nacional mostrou como Seul desmontou a estrutura de viadutos e pontes de sua área central, afastou prédios e reviu seu sistema de trânsito para salvar o riacho Cheong Gye. A lógica do progresso, cara para os coreanos, não foi subvertida, mas melhor entendida. Eles afastaram do rio tudo que ajudava a constituir a enganosa percepção de prosperidade. O Cheong Gye foi salvo.Podemos chamar o prefeito coreano para que nos diga como desentupir arroios, trânsito, metrôs, ônibus e cabeças. Cidades e Estados mereceriam, de vez em quando, ser contemplados com a chance de importar um governador ou um prefeito da Coreia, ou com a ilusão de que comunidades das periferias também podem gerar seus Baracks Obamas estaduais e municipais. A era dos governadores e prefeitos táticos, raptados pela obsessão com a contadoria, cederia lugar aos que têm algum sonho ou alguma ambição estratégica. A gestão tática é o café frio dos embromadores.~

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