A cultura do privilégio
O Brasil ainda não conseguiu enfrentar de forma satisfatória a descoberta de uma rede de privilégios no Congresso e já está diante da revelação de que, assim como vem sendo denunciado também no Executivo, até mesmo integrantes de tribunais superiores se valem de regalias incompatíveis com um país em processo de moralização. O mais recente episódio tornado público é uma reportagem da revista IstoÉ segundo a qual o ministro Carlos Alberto Menezes Direito valeu-se da estrutura do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo depois de já ter ingressado no Supremo Tribunal Federal (STF), do qual faz parte hoje, para assegurar tratamento diferenciado para ele próprio, a mulher, filhos e amigos em aeroportos de sala VIP a dispensa de inspeção de bagagem. Tudo devidamente formalizado em documentos com o timbre ainda do STJ, do qual já não fazia mais parte, o que demonstra a naturalidade com a qual esse tipo de prática é encarada.Numa confirmação de que basta um olhar mais atento para apurar excessos em qualquer poder, de qualquer instância da federação, o episódio serviu para revelar também que o contribuinte sustenta, sem saber, duas representações do STJ – uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo – para prestar assistência a ministros em caso de viagem. Depois da descoberta de que os excessos de gastos com deslocamentos no Congresso deram margem até mesmo a um comércio paralelo de bilhetes aéreos, os brasileiros não chegam mais a se espantar com a descoberta de esquemas semelhantes. Ainda assim, isso não significa que deva tolerar a falta de explicações e de providências imediatas para abusos de toda ordem de quem se vale do posto ocupado ou para o mau uso de dinheiro público, justificados por uma espécie de cultura do privilégio.Desde a descoberta da chamada farra das passagens entre parlamentares, o contribuinte tem sido confrontado com uma infinidade de revelações que ajudam a pulverizar ainda mais o saldo já irrisório da credibilidade do Legislativo. As deformações incluem desde pequenos favores até a prática de lobbies escusos e apadrinhamentos, nepotismo, ganhos fisiológicos, mordomias, gastos indevidos e desvios, em muitos casos com potencial para destruir a credibilidade dos envolvidos, mesmo numa maioria de casos nos quais as denúncias não chegam a ir adiante, devido a pressões corporativistas.Depois da indignação coletiva provocada pelo descalabro no uso de bilhetes aéreos no Congresso, a sociedade não tem mais como aceitar práticas pelas quais alguns poucos fazem questão de parecer mais cidadãos do que todos os outros, seja em qual for o poder. Qualquer irregularidade no uso da máquina pública não compromete apenas a imagem de quem a comete, pois acaba arranhando também a das instituições, o que é ruim para a própria democracia.
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